Bertuzzi & Cardoso / LADEE, vol. 4 no. 2, pp. 21-32, Julho - Dezembro, 2023

Perception and observation of the environment: investigation of the olympic legacy

Percepción y observación del entorno: investigación del legado olímpico

Percepção e observação do ambiente: investigação do legado olímpico

Felipe Buller Bertuzzi a, Grace Tibério Cardoso b*

a Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. arq.felipeBertuzzi@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0539-606X

b Atitus Educação, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. Correspondência email: gracetiberio@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1779-4631

Para citar este artigo::

Bertuzzi, F. & Cardoso, G. (2023). Percepção e observação do ambiente: investigação do legado olímpico. LADEE, 4(2), 21–32. https://doi.org/10.17981/ladee.04.02.2023.2

Abstract

Introduction: For many urban managers, the insertion of Major Urban Projects -MUPs- allied to planning strategies tends to strengthen the local development of cities. In the case of the 2016 Olympic Games in Rio de Janeiro, strategic plans were implemented in the city to promote changes in the mobility, security and housing sectors. The city came to be analyzed from different points of view: as a promising place for the promotion of effective urban guidelines and as a way to highlight social distinction based on socio-spatial segregation. Objective: To analyze whether the transformations of urban areas in the city of Rio de Janeiro have contributed to improve mobility, safety and housing, or to intensify socio-spatial segregation. Methodology: Semi-structured interviews with technicians and residents close to the intervention in Rio de Janeiro's Olympic Park. Conclusions: There is a need to promote the participatory and effective inclusion of the population in the structural decisions of the city.

Keywords: Urban transformations; large urban projects; olympic park

Resumen

Introducción: Para muchos gestores urbanos, la inserción de Grandes Proyectos Urbanos –GUP– aliados a estrategias de planificación tiende a fortalecer el desarrollo local de las ciudades. En el caso de los Juegos Olímpicos de 2016 en Río de Janeiro, se implementaron planes estratégicos en la ciudad para promover cambios en los sectores de movilidad, seguridad y vivienda. La ciudad pasó a ser analizada desde diferentes puntos de vista: como un lugar prometedor para la promoción de directrices urbanas eficaces y como una forma de destacar la distinción social basada en la segregación socioespacial. Objetivo: Analizar si las transformaciones de las áreas urbanas de la ciudad de Río de Janeiro han contribuido a mejorar la movilidad, la seguridad y la vivienda, o a intensificar la segregación socioespacial. Metodología: Entrevistas semiestructuradas con técnicos y residentes próximos a la intervención en el Parque Olímpico de Río de Janeiro (Brasil). Conclusiones: Existe la necesidad de promover la inclusión participativa y efectiva de la población en las decisiones estructurales de la ciudad.

Palabras clave: Transformaciones urbanas; grandes proyectos urbanos; parque olímpico

Resumo

Introdução: Para muitos gestores urbanos, a inserção de Grandes Projetos Urbanos - PMUs - aliados a estratégias de planejamento tende a fortalecer o desenvolvimento local das cidades. No caso dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, planos estratégicos foram implementados na cidade para promover mudanças nos setores de mobilidade, segurança e habitação. A cidade passou a ser analisada sob diferentes pontos de vista: como um local promissor para a promoção de diretrizes urbanas efetivas e como forma de evidenciar a distinção social baseada na segregação socioespacial. Objetivo: Analisar se as transformações das áreas urbanas da cidade do Rio de Janeiro contribuíram para melhorar a mobilidade, a segurança e a habitação, ou para intensificar a segregação socioespacial. Metodologia: Entrevistas semi-estruturadas com técnicos e moradores próximos à intervenção no Parque Olímpico do Rio de Janeiro (Brasil). Conclusões: Há necessidade de promover a inclusão participativa e efetiva da população nas decisões estruturais da cidade.

Palavras-chave: Transformações urbanas; grandes projetos urbanos; parque olímpico

DOI: 10.17981/ladee.04.02.2023.2

Data de receção 8/11/2023. Data de aceitação 6/12/2023.

1. Introdução

Em meio à necessidade de fortalecimento do poder econômico das grandes cidades nas últimas décadas, buscou-se unir estratégias de planejamento à inserção de Grandes Projetos Urbanos –GPUs–. Essa questão ficou ainda mais evidente com os exemplos de implantação de megaeventos, como os Jogos Olímpicos de Barcelona (1992), Pequim (2008) e Londres (2012). Com o intuito de implantar no Brasil um megaevento de reconhecimento internacional, os gestores do Rio de Janeiro/RJ prepararam a cidade para o recebimento dos Jogos Olímpicos por meio de planos estratégicos com foco nas questões de mobilidade, segurança e moradia. Assim, diferentes planos foram desenvolvidos desde que a cidade carioca passou a ser cogitada para sediar o megaevento. Dentre eles estavam o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro Rio sempre Rio (1996), o Plano Estratégico - Governo do Estado do Rio de Janeiro (2012-2013), o Plano de Políticas Públicas - Legado (2014), o Planejamento Estratégico (2013) e o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (2017-2020) para o período posterior aos Jogos Olímpicos (Bertuzzi, 2020).

Em meio a esse contexto, foi possível perceber que nas etapas pelas quais os gestores municipais perpassaram ao criar os planos, metas e objetivos, houve proposições de adaptações em prol de melhorias na qualidade de vida urbana. Por outro lado, também foi importante observar e considerar um possível processo de segregação socioespacial que pôde ser intensificado a partir de interesses muito pontuais.

Dentre as principais contribuições trazidas por cada um desses planos estavam a delimitação das áreas que receberiam as instalações olímpicas na cidade, a revitalização das avenidas próximas a essas estruturas, a requalificação da Zona Portuária —um dos principais pontos turísticos da cidade— e a despoluição da Baía de Guanabara. Além disso, previu-se a inclusão de novos trechos para a inclusão do Veículo Leve sobre Trilhos –VLT–, o metrô e o Ônibus de Transporte Rápido (Bus Rapid Transit –BRT–) (Bertuzzi, 2020).

O projeto da área do Parque Olímpico, principal centro das competições esportivas, foi desenvolvido em uma região residencial, o que contribuiu para o fomento ao mercado imobiliário após os Jogos Olímpicos, mantendo algumas arenas para a prática de esportes. No entanto, para que isso ocorresse, era preciso realocar moradores das proximidades para outras localidades para que pudessem ser construídas as estruturas para os Jogos (Faulhaber & Azevedo, 2015). Desse modo, a cidade passou a ser analisada sob diferentes pontos de vista: como detentor de um local promissor para a promoção de diretrizes urbanas eficazes e como uma maneira de ressaltar a distinção social a partir da segregação socioespacial.

O projeto do Parque Olímpico do Rio de Janeiro passou por várias adaptações até ser finalizado. Em meio a um processo de revitalização local, muitos residentes da comunidade lindeira intitulada Vila Autódromo, formada até então por cerca de 450 famílias precisaram ser realocados para comportar as instalações olímpicas (Baratto, 2013; Faulhaber & Azevedo, 2015; Matto & Konchinski, 2016; Bertuzzi, 2020).

Nessa seara, tornou-se necessário avaliar junto à população qual dessas visões é predominante. Segundo Villarouco e Andreto (2008), a compreensão do ambiente a partir da avaliação do indivíduo como estruturador do mesmo, permitiu explicitar resultados decorrentes de sua utilização e, a partir disso, buscar soluções que garantissem a manutenção da qualidade ambiental.

Ao aliar conceitos relativos à percepção ambiental com a avaliação de espaços abertos, vários critérios precisaram ser considerados para garantir o entendimento do espaço, sendo necessário cruzar e interpretar estas informações, a fim de estabelecer correlações entre o ambiente e o usuário (Moser, 1998). No caso da presente pesquisa, com foco no Parque Olímpico, foi realizada a investigação do legado olímpico a partir da visão técnica e de moradores do entorno. Para isso, foram utilizados métodos que respondessem às hipóteses esperadas, a fim de relacioná-las com o contexto local (Sarmento & Elali, 2016). Com base nessas informações, o presente artigo visou analisar se as adequações urbanas foram mais eficazes ou segregadoras para a população local.

O estudo sobre a inserção de Grandes Projetos Urbanos –GPUs–, com destaque para a implantação dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro/RJ, desempenha um papel significativo no cenário global ao abordar a complexa interseção entre desenvolvimento local, planejamento estratégico e impacto social. O artigo destaca a dualidade dessa influência, questionando se as mudanças resultaram em melhorias efetivas nessas áreas ou se exacerbaram a segregação socioespacial. Além disso, ao enfatizar a importância da inclusão participativa da população em decisões estruturais, o trabalho propõe abordagens mais holísticas para o planejamento urbano, promovendo a sustentabilidade e equidade em níveis local e global.

2. Percepção ambiental

2.1 Percepção ambiental aplicada à avaliação de espaços de uso coletivo

Considerado o principal concentrador da interação pessoa-ambiente, o parque urbano possibilita ao usuário práticas de lazer e distração, assim como a melhoria da saúde a partir do contato com diferentes variáveis ligadas ao conforto (Rezende et al., 2012). Dessa forma, ao criar no espaço urbano um artifício que esteja voltado unicamente para a promoção da melhoria da vida dos usuários, promove-se também uma —válvula de escape— para a cidade. Possibilita-se, assim, a disseminação desses locais à medida que cresce a densidade populacional, principalmente nos grandes centros (Andrade et al., 2016).

Balza (1998) aponta as potencialidades advindas desses locais, e afirma que dentre as funções que o parque abrange, está a recreação, a sua contribuição como papel de estruturação da forma urbana, a função estética e a contemplação. Como protagonistas na morfologia das cidades, esses espaços adotam um papel norteador em que se predomina a variabilidade de usos sociais e culturais, compreendendo, também, questões educacionais e ecológicas em seu contexto (Balza, 1998; Silva e Pasqualetto, 2013). Além disso, a vegetação no espaço livre pode contribuir para a melhora da ambiência urbana. Ao inseri-la junto a parques detentores de atividades socioculturais, permite-se a elevação da umidade do ar e o controle da temperatura, favorecendo principalmente cidades com altos índices de insolação (Associação Brasileira de Normas Técnicas [ABNT], 2003; Muneroli & Mascaró, 2010).

Da mesma forma em que o espaço livre é compreendido como promotor da qualidade urbana, Niemeyer (2015) destaca a necessidade constante de se avaliar áreas que promovam funções sociais como as praças, a fim de garantir a sua efetiva utilização pela comunidade.

As praças são microcosmos sociais que resistem aos novos valores espaciais e capitalistas assumindo funções especializadas a determinados segmentos e faixas etárias como o lazer ativo (jogos, esporte) e passivo ao ar livre (o descanso, a contemplação), o footing (passeio a pé) e, por fim, o lugar das ações públicas culturais, funções essas que dificilmente a esfera privada poderia propiciar (Niemeyer, 2015).

Por isso, há a necessidade de se avaliar parques e praças urbanas a fim de atestar as influências da ambiência do local para com o indivíduo que o utiliza. As pesquisas são desenvolvidas com o objetivo de avaliar o comportamento e a apropriação dos indivíduos sobre o espaço. Dentre elas, está o estudo de dois parques na cidade de Vitória/ES, os quais receberam a aplicação de métodos de percepção, como mapas de observação, pesquisa de preferência visual e entrevistas semiestruturadas. O objetivo do estudo resumia-se em verificar o público frequentador e o grau de satisfação dos usuários frente o espaço público (Araújo & Caser, 2012).

A partir do estudo de Vitória/ES, percebeu-se que a maior procura pelos usuários resultou em áreas que possibilitassem atividades físicas, jogos esportivos etc. Por outro lado, observou-se a falta de vitalidade pública em áreas de descanso e contemplação, o que demonstra uma vocação fiel do público por atividades de ativação do local. Sendo assim, a falta de circulação de pessoas nas extremidades do Parque pode acarretar a sensação de insegurança dos usuários, podendo ser esse o motivo da não utilização do Parque em determinados locais (Araújo & Caser, 2012).

3. Materiais e métodos

3.1 A percepção dos indivíduos e as observações do ambiente

A visita à cidade do Rio de Janeiro, ocorrida no mês de agosto de 2019, visou aplicar os métodos de pesquisa em locais de uso público das quatro subcentralidades olímpicas, regiões que reuniram diferentes atividades esportivas durante a execução dos Jogos Olímpicos ao longo da cidade. Porém, o foco dessa pesquisa voltou-se ao Parque Olímpico por ter sido o detentor da maioria das intervenções realizadas na cidade.

A percepção dos indivíduos pôde ser averiguada a partir da aplicação de entrevistas semiestruturadas com questões previamente elaboradas com o intuito de nortear as informações a serem obtidas (Tabela 1). As entrevistas foram aplicadas na Subsecretaria de Legado Olímpico do Rio de Janeiro a fim de verificar quais seriam as propostas de continuidade das instalações olímpicas. Já as percepções dos moradores da Comunidade Vila Autódromo puderam apontar as relações de moradia frente as intervenções olímpicas.

Tabela 1. Entrevistas semiestruturadas realizadas no mês de agosto de 2019, na cidade do Rio de Janeiro.

Entrevistas

Data

Local

Moradores da Comunidade Vila Autódromo

07/08/2019

Comunidade Vila Autódromo

Engenheiro da Subsecretaria de Legado Olímpico

08/08/2019

Subsecretaria de Legado Olímpico – Parque Olímpico do Rio de Janeiro

Comunicóloga da Subsecretaria de Legado Olímpico

08/08/2019

Subsecretaria de Legado Olímpico – Parque Olímpico do Rio de Janeiro

Fonte: Autores.

3.2 Análise da percepção da população do Rio de Janeiro frente os Jogos Olímpicos

As entrevistas à Comunidade da Vila Autódromo foram aplicadas a quatro moradores, aos quais se propuseram a responder às perguntas de forma individual (Fig. 1). A quantidade de entrevistados foi sugerida pelos próprios moradores devido à disponibilidade dos mesmos em contribuir para a pesquisa acadêmica.

Fig. 1. Localização da Comunidade Vila Autódromo.
Fonte: Adaptado pelos autores (Google Earth© 2023).

4. Resultados e discussões

A percepção transmitida por eles em relação às estruturas do Parque Olímpico remeteu a um sentimento de repulsa, consequente do processo de retirada da população local para a construção do empreendimento. Devido a isso, não consideram a megaestrutura como uma área de lazer, tampouco não a veem como um espaço voltado ao público em geral, mas destinada a uma parcela mais elitizada da sociedade, que tem possibilidade de pagar os ingressos para shows e eventos. Para eles, o local é utilizado somente por moradores privilegiados que moram de frente.

Segundo os moradores, caso a estrutura fosse voltada a todas as classes sociais, o espaço estaria funcionando com eventos destinados às comunidades, utilizando as piscinas e espaços para treinamentos. Os entrevistados têm o conhecimento de que algumas ações até existem, como aulas de judô e academia pública, porém quando há um evento de grande porte, estes usos são paralisados. Inclusive, as poucas atividades realizadas no local são pouco divulgadas, resumindo-se unicamente a avisos em cartazes anexados no portão principal do Parque. Essas mudanças de rotina repentinas intensificam o discurso de fortalecimento do capital em detrimento da população geral, assuntos já relatados por Mascarenhas (2007) e Miagusko (2012).

Na opinião dos moradores entrevistados, ao contrário do que foi amplamente divulgado pela mídia e pelos governantes, a proposta de legado não existe. Segundo eles, os Jogos Olímpicos deveriam ser implementados em locais onde já existem estruturas para isso, para que não houvesse novas intervenções radicais como as ocorridas na Vila Autódromo e em outros pontos da cidade. Interferências urbanas que, por sinal, privatizaram uma imensa área de origem pública.

A mobilidade urbana foi intensificada na região por meio do Ônibus de Trânsito Rápido (BRT). No entanto, os moradores da Vila Autódromo destacam o aumento da insegurança após a implantação de estações do BRT próximas ao Parque Olímpico.

Apesar de não frequentarem o Parque Olímpico, os moradores ressaltam que o fato de ficar muito tempo exposto ao sol em locais que não possuem sombreamento, dificulta a permanência no espaço, resultados já observados no trabalho publicado por Bertuzzi e Cardoso (2018). Da mesma maneira, o estudo de Silva e Reis (2018) também remete essa insatisfação com o fato do local não possui a divulgação das atividades gratuitas e estar fechado durante os dias úteis da semana.

Além desses pontos, os moradores tiveram a oportunidade de elaborar um comparativo da realidade da comunidade antes, durante e depois da implementação dos Jogos Olímpicos na cidade (Fig. 2).

Fig. 2. Sintetização das respostas dos entrevistados na comunidade Vila Autódromo.
Fonte: Autores.

Como já mencionado, é evidente uma mudança brusca na região de implantação do Parque, desde especulação imobiliária até remoções de moradores. No entanto, apesar desses problemas a comunidade afirma que as 20 famílias remanescentes conseguiram permanecer devido ao acionamento de questões judiciais.

Por outro lado, buscou-se indagar a visão técnica de todo o processo, a fim de estabelecer relações com os discursos enunciados. Na entrevista realizada com o engenheiro da Subsecretaria de Legado Olímpico do Rio de Janeiro, foi possível discutir sobre a implantação dos Jogos Olímpico na cidade, bem como as alternativas de uso futuro para as estruturas. Enquanto funcionário da prefeitura, o engenheiro acompanhou tanto a construção do Parque, desde a demolição do Autódromo, como a escritura dos lotes em nome da Concessionária Rio Mais. A entrevista aconteceu na própria subsecretaria, localizada em uma das arenas do Parque Olímpico.

Segundo o engenheiro, as instalações são geridas por diferentes instâncias (Fig. 3).

Fig. 3. Relação entre os gestores e as estruturas do Parque Olímpico.
Fonte: Autores (2023).

A divisão se dá entre a Concessionária Rio Mais (dona dos terrenos, empresa que construiu o Parque Olímpico), o COB, a empresa GL EVENTS, a Prefeitura Municipal e a AGLO —e que agora está a cargo do Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria de Esportes. Há reuniões de condomínio mensais com o objetivo de administrar os conflitos, problemas e discutir sobre os rumos de todo o espaço.

Como já visto, o projeto de implantação do Parque Olímpico foi desenvolvido pela empresa inglesa AECOM. Segundo o engenheiro, a proposta contemplou somente uma prospecção de como as instalações poderiam ficar a longo prazo, não se tratando de um projeto efetivo. Com base nessa proposta inicial, foi desenvolvido o Projeto de Alinhamento de Loteamento –PAL– pela prefeitura do Rio, o qual inclui 30 lotes privados. Segundo ele, houve uma Parceria Público-Privada –PPP– para que a construção do Parque Olímpico pudesse ser concebida, a qual visou a separação da área em lotes para vendê-los posteriormente, a fim de fomentar o mercado imobiliário.

O projeto realizado pela prefeitura também compreendeu a implantação de áreas de lazer como quiosques e a inclusão de novas quadras. Todavia, tratam-se de planos a longo prazo, já que a execução instantânea inviabilizaria a realização de grandes eventos, como o Rock in Rio e o Game XP, por exemplo. Como contrapartida à utilização dessas áreas, esses eventos particulares pagam a Taxa de Uso de Área Pública –TUAP– para o uso das áreas públicas, o qual consiste em tributos estabelecidos pela legislação, voltados à autorização para comercialização em diferentes tipos de eventos na cidade.

4.1 Caso sejam usufruídos espaços privados já comprados por investidores, os proprietários devem ser contatados para que sejam feitos acordos de locação.

O engenheiro ressalta que o fato do Parque Olímpico ainda não ter se tornado um loteamento (com divisões por ruas e empreendimentos imobiliários), transfere à população a sensação de uma grande área abandonada. Com isso, a imagem transmitida a sociedade é de subutilização do espaço, devido às grandes extensões do local. Ressalta, ainda, que mesmo com a delimitação de terrenos para futuras construções residenciais e comerciais previstas a longo prazo, a Via Olímpica —área central do Parque— continuará à disposição da sociedade, mesmo que tenham outros empreendimentos no local.

Enquanto isso não ocorre, o entrevistado afirma que são desenvolvidos diversos usos diários de treinamentos esportivos no Parque. Essas atividades, promovidas pelo Serviço Social do Comércio –SESC–, encontram-se disponíveis à comunidade servindo como contraturno às práticas escolares, como por exemplo o Judô. Segundo ele, foi montado um posto médico e uma academia pelo SESC (disponível todos os dias). Atualmente, a academia conta com 600 pessoas matriculadas gratuitamente e com possibilidade de escolha do horário para as atividades físicas. No entanto, quando têm grandes eventos no Parque Olímpico, o SESC transfere as atividades para a escolas.

Observa-se, a partir dos estudos aqui relatados, que o fomento do esporte e de atividades físicas à comunidade geral é, sem dúvida alguma, um legado que pode ser compreendido como bem-sucedido. Contudo, a limitação dessas práticas em prol de eventos particulares retira a credibilidade desses serviços, os quais vêm acontecendo em diferentes períodos do ano.

A entrevista também incorporou a discussão sobre a incumbência da AGLO frente ao empreendimento que, meses antes da entrevista, passou por uma restruturação em sua gestão. Segundo o entrevistado, o objetivo central da Autarquia Federal se resumia a desenvolver estudos de privatização das arenas do Parque Olímpico a fim de desonerar o poder público. Algumas dessas ações já foram realizadas, como é o caso do Centro Aquático Maria Lenk, que foi destinado ao COB e a Jeunesse Arena, que foi cedido para o Grupo GL Events. Porém, esses dois anos de gestão da AGLO não foram suficientes para finalizar este projeto. Além disso, é a Autarquia que coordena as Arenas 1 e 2, e oferece treinamentos esportivos para os interessados, que devem levar somente o material, como bola e raquete, por exemplo. Já a área central do Velódromo é destinada a treinamentos e competições de cadeirantes.

Em termos de projeções futuras existem estudos em andamento. O engenheiro ressalva que apesar do Estádio Aquático e da Arena do Futuro estarem atualmente inutilizadas pela Prefeitura Municipal, a Arena Multiuso 3 está sendo aproveitada para treinamentos e eventos sociais. Em termos de propostas futuras, tem-se como projeção a utilização dessa Arena para a implantação de um Ginásio Experimental Olímpico –GEO–, com o intuito de unir serviços escolares às práticas esportivas. No entanto, a situação financeira da cidade impede esta execução.

Mesmo com a busca constante por confederações que utilizam o espaço, o uso do Parque Olímpico se torna restrito, resultando em muitos espaços ociosos. O entrevistado entende que sediar um megaevento resulta em grandes gastos que podem não garantir um retorno financeiro no futuro. Isso porque torna-se dificultoso encontrar uma empresa que entenda que o espaço poderá render lucros. Por outro lado, destaca como ponto positivo na implantação do Parque Olímpico a unificação de uma grande área passível de garantir a reorganização de um espaço [antigo Autódromo de Jacarepaguá] ao criar novos locais públicos e privados.

Em relação à apropriação do Parque Olímpico como um todo, o entrevistado observa que a alteração na proposição de legado ainda não aconteceu por causa de duas situações: a paralização do mercado imobiliário, e o pouco incentivo ao esporte e à utilização das áreas de treinamento. Para ele, demorará de 15 a 20 anos para começar a surgir prédios na área do Parque.

Além disso, devido às grandes distâncias, o engenheiro supõe que os residentes de outros bairros dificilmente utilizarão as áreas de lazer do Parque Olímpico. Inclusive, quando questionado sobre o atual funcionamento do Parque Olímpico, o entrevistado destacou que o espaço tem baixa adesão da população devido ao desconforto no período de verão. Para o engenheiro, o Parque foi projetado sem a construção de obstáculos que pudessem obstruir a visão, visando a segurança e a prevenção de riscos de atentados em um aglomerado de pessoas. Isso justifica o fato de não terem sido plantadas muitas árvores no local (Fig. 4).

Fig. 4. Vegetação disposta pelo Parque Olímpico do Rio de Janeiro/RJ.
Fonte: Autores.

Segundo ele, os indivíduos que não utilizam o Parque geralmente não conhecem as atividades desenvolvidas no dia a dia. Infelizmente, por falta de recursos, não há nenhum meio de divulgação, como um site, por exemplo, das práticas ocorridas no local. O engenheiro reconhece que a comunicação ainda é falha, sendo que o único diálogo existente com o público é uma placa afixada em frente aos portões, indicando à população o fechamento da área nos períodos dos eventos. Inclusive, é a placa no acesso ao Parque que contém informações sobre o horário de funcionamento, o qual abre às 7h da manhã e fecha às 22h da noite (Fig. 5), vigiado por um guarda municipal.

Fig. 5. Horário de funcionamento do Parque Olímpico.
Fonte: Autores.

Em relação às intervenções urbanas do entorno, foram duplicadas as duas avenidas principais, as Avenidas Salvador Allende e Abelardo Bueno. Mesmo assim, o acesso até o Parque Olímpico em dias de grandes eventos continua sendo limitado, necessitando um controle mais rígido no trânsito. O engenheiro aponta que a alternativa de deslocamento sugerida pelas autoridades é por meio do transporte público (como ônibus e BRT) ou pela ciclovia ali inserida, visando promover a redução no fluxo de veículos e solucionar a falta de estacionamento próximo.

Na relação entre o Parque e a comunidade Vila Autódromo, o entrevistado entende que hoje há uma relação pacífica com as 20 famílias remanescentes. Na época das remoções, referiu que as mesmas ocorreram de forma voluntária, uma vez que a Prefeitura pretendia retirar somente as casas dispostas à margem da lagoa de Jacarepaguá, Área de Preservação Permanente –APP– pela legislação da cidade. No entanto, houveram moradores que viram a situação como possibilidade de receber indenizações para que pudessem se mudar para apartamentos (na estrada de bandeirantes). Por fim, a previsão de indenizar algumas famílias acabou gerando a necessidade de ressarcir cerca de 500 famílias do local. Na visão dele, a comunidade era irregular, sem saneamento, sem pavimentação das vias, com muitas subdivisões de terrenos e insalubre.

Em relação às alterações posteriores ao megaevento, houve o fechamento de hotéis próximos ao Parque, visto que no dia a dia não há necessidade de oferecer hospedagem em grande quantidade na região, porque via de regra a procura e o interesse dos turistas se dá por áreas mais conhecidas, como Copacabana e Ipanema. Inclusive, a Ilha Pura (Antiga Vila Olímpica dos Atletas), considerada um terreno privado com 7 condomínios, teve seu custo reduzido. No que tange às vendas de imóveis posteriormente aos Jogos, o engenheiro aponta que os preços caíram de R$ 12 000/m2 para R$ 6 000/m2, em razão da baixa procura pela área. Mesmo assim, há a prospecção de movimentação da região para a promoção de áreas residenciais, comerciais e de escritórios, aumentando a oportunidade de emprego e, consequentemente, aumentando o número de moradores.

Por todas essas colocações, a opinião pessoal do engenheiro da Subsecretaria de Legado Olímpico é de que embora esse seja um assunto latente, o Brasil tem muitas outras necessidades e prioridades para resolver. O nível de exigência do COI é muito superior aos custos que os gestores da cidade se dispõem a gastar. Por consequência, tende-se a gerar o discurso no sentido do —mal-uso da máquina pública—.

Outra funcionária da Subsecretaria da área de Comunicação, aponta que todas essas alterações posteriores à implementação do megaevento fazem parte de um processo, tendo a expectativa que a população se aproprie desse espaço. Na visão dela, não se pode negligenciar o Rock in Rio e outros eventos para a utilização do Parque, mas concorda que esses hiatos sem utilização do espaço são prejudiciais para a construção de uma apropriação sólida. A arborização também não está condizente, sendo que algumas árvores plantadas na época não se desenvolveram, tornando-se inúteis para diminuir a forte insolação na área. Embora a ideia da Via Olímpica seja interessante, ainda há muitas áreas inutilizadas no ambiente externo.

Nesse sentido, as entrevistas puderam apresentar tanto a percepção dos moradores do entorno afetados pela inserção do Parque, como a de alguns funcionários de acordo com as suas vivências. Mesmo assim, ainda é necessário compreender a visão da população residente do Rio de Janeiro sobre as estruturas olímpicas, visto que se trata de equipamentos com investimentos públicos.

5. Conclusões 

A partir da verificação da percepção dos moradores que tiveram seu local afetado pelas transformações urbanas, verificou-se que apesar da necessidade de promover o desenvolvimento urbano a partir de obras, de melhorias no setor viário, no fomento da economia e do turismo, faltou contrapor os pesos e analisar previamente as implicações de todas essas modificações, principalmente no que diz respeito à própria população.

Fato concreto que pôde ser evidenciado nas entrevistas realizadas na comunidade Vila Autódromo, em que o empasse da validação imobiliária se sobrepôs às classes menos favorecidas. A redução proposta à área de implantação da comunidade é hoje ainda mais evidenciada pela inutilização das instalações esportivas que, na visão dos gestores dessas estruturas, serviram como uma forma de organizar o território em prol do avanço imobiliário.

É de conhecimento geral que a regularização de áreas insalubres e isentas de arruamento pavimentado e saneamento adequado devem ser feitas de acordo com a legislação da cidade. Contudo, é preciso encontrar meios que permitam essas intervenções urbanas sem acarretar na perda da identidade do lugar ao promover realocações em outros pontos da cidade. É extremamente imprescindível que o planejamento urbano estratégico se alie e seja coerente com pautas urgentes das necessidades prioritárias, almejando sim ser referência internacional, mas a partir de exemplos voltados à erradicação da disparidade sociais.

Para isso, torna-se necessário promover a inclusão participativa e efetiva da população em decisões estruturais da cidade até o final dos debates, a fim de elucidar os reais problemas a serem resolvidos e garantir um legado efetivo e benéfico à população local. Pode-se tomar como base para esse processo participativo os métodos utilizados na presente pesquisa, a qual só foi possível conceber a partir das qualificações, dificuldades e anseios emitidos com base na percepção do usuário.

É importante ressaltar que a quantidade de entrevistados nesta pesquisa revelou-se insuficiente para garantir uma representatividade estatística robusta. Para futuras investigações, recomenda-se a expansão da amostra, incorporando uma diversidade maior de participantes, a fim de capturar nuances e variações que possam existir na população-alvo. Dessa forma, será possível fortalecer as conclusões e contribuir para uma compreensão mais abrangente do fenômeno em questão.

Referências

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